sábado, 31 de outubro de 2015

CARMEN DE BIZET

Surges em sintonia,
oblíquo nas minhas almas,
és de mim outro bocado
a tinta de minha pena.

Sinto-te nas palmas
de minhas mãos abertas
numa milonga pequena,

- nos punctos contra puntum -

nos animais, nas pedras
leio teu ser poema.

© Maria Clara C’Ovo, 2015.



quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CEGONHA

Minha engrenagem roda:
recito minha vida 
em cada intervalo.
Nascem flores no jardim.
Canto o amor e
acontece assim.
Ao dizer do mundo a beleza:
germinam frágeis avencas.
Nados vivos, expulsos, 
aparatosos 
na marquesa.
O feitiço minhas palavras enrola,
porque não o aprendi na escola?
Crio por escrito uma nova
(in)disciplina:
Magias.
Na claridade surgem estátuas, 
Modiglianis.
Oiço no rádio versos, cantatas, 
poemas, alegrias.
Nas mangas 
das crianças pequenas
crescem verbenas.


© Maria Clara C’Ovo, 2015.




DOBRAGENS E OUTRAS LUTAS

Hoje não posso escrever.
Invento-me.
Enxerto-me novos fustes.
Estou fora de moda
(ou da norma?).
O som dos pianos
cruza em mim
novos planos.
Siegel e Shuster diriam:
outra forma.
© Maria Clara C’Ovo, 2015.


sábado, 24 de outubro de 2015

CHAPARRO

Já não corro
- só os cem metros livres
em 10 segundos -.

Caminho.
Subo e desço
devagarinho.

Quando me esqueço
e corro e corro
morro.

(esquecer x esquecer =
= morrer,
fica o parênteses)

Pus também o amado na estante
- ou na prateleira, como queira -,
tenho apenas amante.

Também danço,
como se pisasse borralho,
 - ou alfinetes -
sem descanso.

Ou então vou de jato
 - desculpa Aristóteles -
minha potencia é ato.


© Maria Clara C’Ovo, 2015.


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

RASCUNHO

Traço à beira mar
minha silhueta que
de mim a brincar
dá transversal ideia,

mas a onda,
verdadeira,
na força de seu vagar,
desvela movediço
meu ser morte lenta
de areia.

© Maria Clara C’Ovo, 2015.


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

MUSEION

Ela jaz.

Eles lacrimejam atrás,
austeros
jeitos, trejeitos,
olhares
sinceros.

Outros
escavam,
à frente,
numa comoção
mecânica,
sem ares.

Está tanta gente.

Flores,
flores
brancas e azuis,
ervas perfumadas
numa miríade botânica
de intensos odores,
veladas.

Sobre o caixão
o marido,
num pranto dobrado,
doloroso,
chora
a desdita

sem consolo,
a vida maldita.

A cruz.

Os pavios
tremem.

Nas velas
estremece a luz.

A vila inteira
presente,
 (que emoção
de gente,

rica e indigente).

Ao fundo
soam
lamúrias de carpideira.

Veio
o padre,
pela Junta,
o presidente.

E ela jaz

em silêncio

ausente

entre o incenso
e a cal.

Ainda encanta
pura
branca
 (até sensual).

Espanta,
sua formosura
sem bem nem mal,
na sala escura.

Estará adormecida, como Bela?

Sim,
é capaz,
não tem idade,
a musa da tela

(que vejo)

esvaída
num último
suspiro
de necessidade,

em paz.

Ele dá-lhe um beijo.

© Maria Clara C’Ovo, 2015.

Matisse with pigeons by Cartier-Bresson.


LEONARDO

A rosa fica-te bem, bivó,

na tez morena, pequena,

as mãos ternas, sedosas

de amor por ele, alto,  

num flash branco, belo:

amou-te, nesse teu cabelo

longo, negro e liso,

como era preciso

(dois opostos,  

envoltos em céus,

sedas convergentes, véus

finos, especiarias quentes).


© Maria Clara C’Ovo, 2015.