segunda-feira, 31 de agosto de 2015

BONANÇA

Vagas em crescendo
Quedas deslizantes
Sufocos
O medo estampado nos rostos
De quem
Conhece,
Padece
Daquela fúria salgada
Que escorrega
Cai
Num ânsia em charco
Nas cordas
Mãos presas
Nas bordas
Das velas
Das amarras daquela nau
Que revira.
Porque estará o mar tão mau?
Pergunta o grumete
Sem capacete.
De repente!
Depois de tanto marear,
Com ajuda de astrónomos, pilotos, matemáticos,
Mestres, moços e almirantes
Do sol e da estrela polar,
Subo à gávea,
Passo o dedo pelo lábio,
Estico-o húmido,
Molhado
No ar
E descubro, em instantes, quadrantes, sextantes
A bússola e o astrolábio.
Avisto,
Por fim,
Bombaim
Em mim.

© Maria Clara C’Ovo


Image in: Bollywood's first ever on-screen kiss in 1933 movie 'Karma'

domingo, 30 de agosto de 2015

CEIA

A mesa estava posta,
Toalha de goma bordada,
Branca
Eivada,
Descomposta,
Revolta
Em desalinho
Pratos, conduto, talheres
Guardanapos
Engelhados
Copos de vinho!
Festa farta
Transbordava
Espumante
Pelas garrafas
Em goles,
Tragos mordidos
Bocados, Migalhas, partículas,
Cinzas e pós astrais
Com vontade,
Triturados
Temperos tais
Enfeitavam a travessa
Onde jazz
A humanidade.
© Maria Clara C’Ovo, 2015

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

THE HAG

Imagem in: Adbusters
















Sou, sou
Sou uma bruxa
Leio a alma,
A natureza
Sinto os astros
Em viagens
Entre as esferas
Mensageiras
De um destino
Ditado
Numa magia pagã
Sou, Sou,
Sou uma bruxa,
Passeia-me
Pela manhã
Um gato preto no jardim
Guardião
De mim,
De Feitiços
Leves
Sobrenaturais,
Que ponho em verso
Num gentio, gentil Gospel,
No reverso
De uma eterna
Toalha de papel.

© Maria Clara C’Ovo, 2015




quarta-feira, 26 de agosto de 2015

THE GIFT

Sim, sou egoísta
Porque gosto do que faço e
Quero continuar a fazer e
Quero que gostes também e,
Sim, quero produzir, inventar,
Quero fazer bem e
Quero fazer melhor e
Quero que sejas livre
Para que não me prendas
Porque quero criar e
Trocar oferendas
Porque quero amar.
Sim, sou egoísta e
Quero trabalhar e
Quero comer e
Quero que comas e
Que consumas
Sem redomas e
Quero brilhar e
Quero ser génio e
Quero agradar e
Falta-me o oxigénio
Para conviver.
Sim, sou egoísta e
Falta-me o ar!
E quero ser solidária e
Preciso que sejas solidário comigo e
Quero a felicidade dos outros e
Quero tanto um amigo,
Para que eu seja feliz e,
Nem que seja aos poucos,
Quero uma humanidade perfeita

(E pode ser de loucos!)

E que eu também seja perfeita e
Legisladora e soberana e virtuosa,
Porque quero viver
Esse poder,
Sim, que me faz vaidosa e
Ambiciosa e
Querer excitada festa!
E se tiver que de ti me apartar
Para seres feliz,
Lá terá de ser,
Que necessidade esta!

Imagem in: ‘Quite Continental Charm School: Day 14 – Write Love Letters’
© Maria Clara C’Ovo, 2015

terça-feira, 25 de agosto de 2015

SEGREDOS

O meu amor voltou.
Alegria, alegria!
Faltavam-me as suas palavras,
A sua poesia,
O calor
Do aconchego
Dum verso construído à nossa medida.
Das carícias das palavras ditas
No nosso amor
Em segredo,
Resguardado,
Sussurrado num poema
Que faz as minhas delícias
E as suas risadas perturbadas
Pela  épica sabedoria
Dum amor que vai nascendo
Numa elegia
Em crescendo
Que me habituo a cantar
A cuidar,
Como um lar
Onde germina o meu amor,
Uma flor num vaso de encantos.
Canto-os.
Odes
Com espinhos
Que ele sabe sentir
E podar.
E acarinhando
Faz florescer
Ao abrir
Um botão de rosa.
Em prosa


© Maria Clara C’Ovo, 2015

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

MARIA DA LUZ

Pincelava a tranquilidade azul do céu,
Naquela tarde,
Juntava-lhe o calor do amarelo
Solar
Que aquece
E arde.
E brotavam verdes copas,
Cópulas
De esperanças enfeitadas por laranjas
Alegres, frutos vitais,
Gerados pela espontânea mistura amarela do sol
E do fogo
Que estremecia
A sua paixão pelas pinturas
Vermelhas, púrpuras de espiritualidade,
De magia e de mistério nos desenhos e figuras
Que fazia
A Maria que amava aquela arte
Do amor puro,
Que conhecia,
E queria
Amar-te.
Assim era a Luz.





Imagem in: 'Como desenhar 10'
© Maria Clara C’Ovo, 2015


sábado, 22 de agosto de 2015

PRAIA DO MECO

Parece que tudo cai
Se desmorona, se desfaz
Perde a consistência,
Torna-se balofo.
Tanto fez como faz!
Já ninguém acredita,
Já ninguém quer.
Já todos têm mulher.
E todas têm homem também.
Como fazer quando tudo se abstém?
Todos votam em branco.
Quando os boletins de voto são um desperdício.
Quando todos estão organizados sem darem por isso.
Quando todos são felizes sem saberem.
Quando todos estão esclarecidos.
Quando leem a tua alma porque ela transparece.
E gostam do que leem.
Do que aparece!
E são lidos também à transparência.
E são felizes porque usam roupas transparentes.
E vivem de repentes.
E já não usas mais cai-cai.
Como se chama isto?

© Maria Clara C’Ovo, 2015