segunda-feira, 1 de junho de 2015

MARIA DA FELICIDADE

I
Galgara uma vida estafada.
Derreada entre sacos e embrulhos.
Embalara num colo calejado.
Entoando baladas e murmúrios.
Na troca de festas, beijos roubados.
De amores terçados ao limite.
Em barrigas de filhos partejados.
Mimara merendas de apetite.

II
Chapinhara em molhados sorrisos.
Ensinara as letras paciente.
Ordenara caos, arrumara vidas.
Polidas num vai-vem indiferente,
Carimbadas p’lo mecânico ser.
De secções e processos arquivados.
De uma família a correr.
Contra relógios congestionados.

III
Lia crises estampadas nas gordas,
Tensões dum marido desempregado.
Enfrentava cabisbaixa as ordens.
Dum pai colérico e agastado.
Como abreviaria o tempo?
Com salário magro na panela.
Sem horas, energias, nem delongas.
Desabafos fugiam à janela.

IV
Com olhares perdidos na areia.
Da estrada estreita e grotesca.
Destinada de volta à aldeia.
Dias e noites passavam sem pressa.
Sem metais para liquidar a renda.
Tirara o marido da taberna.
Perdera a guerra e a merenda.
Voltara triste à casa materna.

V
Carimbos trocados pela enxada.
Largara as correntes e relógios.
Olhava o sol, ouvia os galos.
Tinha pão, frutas frescas e regalos.
Vizinhos de ar puro e solidários.
Cuidava da horta, da capoeira.
Ao ritmo de diversos calendários.
Vivia a terra doutra maneira.

VI
Com as trocas animava as vendas.
Em cestas decoradas pelos filhos.
Nas feiras, nos mercados e nas tendas.
Carregadas e plenas pelos trilhos.
Com malhas, rendas, tecidas fazendas.
Madeiras do José e alguns vimes.
Pelo ocaso, caminhavam juntos,
Pequenas sendas, atalhos sublimes.

VII
Ao serão abrasavam leite quente.
Bebido pelos corados petizes. 
Para os pais um trago d’aguardente.
Adormeciam quentes e felizes.

Maria da Clara C’Ovo.


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