sábado, 23 de maio de 2015

GRAVIDADES E OUTRAS IDADES!

Era novo, bem-parecido, esbelto.
Maduro demais para meus verdes olhos,
Original, era doutamente culto.
Estonteara-me com os seus engenhos

Charmoso de lentes distantes e sábias,
Era longínqua possibilidade,
A ânsia de nas copas ter um Ás.
Impulso, um querer de bela idade.

Pergunto se serás o mesmo ainda?
Ponderosa, respingo, vários outros!
Coletivos intuo-nos esquisitos.

Se me avivam ciborgues e mutantes,
porque procuro em ti o imutável?
São dizíveis paradoxos exultantes.


Maria Clara C’ovo!

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Ó FREGUESA

Ó freguesa, venha, venha cá ver...
Têm o sangue na guelra, marotas!
Quem, quem os meus doces marmelos quer?
cenouras, alhos tomates das hortas!

Ó ricas, vinde, vinde cá comprar,
Olhás canastras orgulhósas. Frescas!
Sardinhas, meninas, belas e boas!
Cá estão nabos, pepinos, é pegar!

Ó querida, leva, levá vontade!
São saloios  quentes, com linguiça.
Quem quer? Tomai, tomai a liberdade!

Olhó Bolhão! Olhá Madragoa!
Compra, amor, pró patrão, mexilhão!
Aqui, tu mandas, linda, és patroa!

Maria Clara C’Ovo



segunda-feira, 18 de maio de 2015

SONETO A ÍRIS

Engalanas-me o meu caminho rútilo,
Espelho estrelas, brilho vibrações.
Serpenteias pós, astros e galáxias,
Afagos celestes, arcos d’emoções

Acarinha-me esse teu fogo-fátuo
Quando em elipses, entre vielas,
Em explosões de um Santelmo noturno,
Reflito Vénus, a Lua e Saturno.

Mas cadente em comoções me evado,
Desencontrada em amores perdidos,
Fujo fora de órbita abismada.

E no caos demiúrgico m’inspiro,
Artesã mundana de cosmogonias.
Invento escritas outras harmonias.


Maria Clara C’ovo.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

MUSÁGETA

Entoo-te, em langor, odes, cantatas,
Abandonam-me alentos condicionados,
Vigores lassos, limitados,
Êxtases de consentidas heterodoxias.
E teço ideias em emaranhados espasmos.
Repentinas heresias,
Onde me estimulas em ardores estafados,
Inspirações de gozo íntimo, vãs alegrias.
Mas evado-te, infrinjo-te submissa.
Porque me cinzelas dependente?
A mim, Sara, moldas-me zíngara,
Diviciosa e carente,
Soberana sem reino, nem missão.
Exilas-me prisioneira de lutas e vitórias vácuas.
Ò Apolo, porque com tua lira me alegras?
Ò Deus desse sol distante e próximo.
Onde em verdade me jorro nas tuas chamas.
Purificação?
Poética?
Ansia profética!

Maria Clara C’Ovo.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

COMÉDIA A LA CARTE!

I
Ter de ser ou ser de ter, eis a questão?
Agitas-me com as tuas utopias.
Porque me enches com perguntas vazias,
se nos vácuos dias mascamos pão?
És, então, um ser de ter quotidiano?
Terá de ser essa, sim, a nossa arte.
Pensas que, com odes espirituais,
escapas à comédia, à la carte?

II
Ter de ser um comensal, é o menu?
Quando te tornas e multiplicas, forças.
Por um trago, trincas, devoras a cru!
Irritas-te. Em fúria. Partes louças.
Engoles o teu pão, diabólica,
amassada, triturada pela vida.
Cais viciada, corrompida, em ciclo,
donde, labiríntica, não tens saída.
Açambarcas fixação e avidez.
E de tão tamanha, és tu altivez,
de sôfrega, vives nessa compulsão,
num entorpecer triste de solidão!

III
Põe-me antes a tua mesa sagrada,
Estende a louça, a toalha bordada!
Entende a vida, milagre de pão.
E saboreemo-la em comunhão.
Para o banquete chama um amigo,
Compreende este ritual antigo,
esta comédia e festa de ser,
providencial a quem der e vier.


Maria Clara C’Ovo.