quinta-feira, 30 de abril de 2015

SELENE & ORFEU

 I
Dispersa em ideias distraídas,
rendida à brandura do jardim,
entre aquelas centelhas tecidas
em sol, ar, cor e sombra matizadas,
o olhar solto fugia de mim.
atraído pelo rosa florido
de amendoeiras tão carregadas.

II
E numa íntima cosmogonia,
afagada naquele sopro breve,
quão perfumado, suave, terno,
exânime, em livre sintonia,
num levitar e pairar sem governo,
era embalada no solo doce,
de um mélico chilrear pequeno.

III
Aos poucos, o ouvido à porfia,
Afina, sem custo, melodioso,
em sons e tons de castanho e cinza,
com plumas e manto alaranjado.
Era tão frágil, meigo, tão vaidoso,
de arpejos curtos como a brisa,
fitava num viés enamorado.

IV
Despertou-me em suaves gorjeios,
voos, saltos, topadas engraçadas.
Toleirão, arrebitava a crista.
Eu, queda, admirava o artista,
que bicava as minhas gargalhadas!
Partilhava afetos, sem rodeios.
E eu enredada pela conquista.

V
Entre dança, quimera e ficção,
o amor Liliput & Gulliver
seria instante de ilusão?
Um erro de ótica distorcida?
Um mero engano de perspetiva?
Romeu, Julieta, noutra versão,
o mesmo conto noutra dimensão!

VI
Sem resistir à asa arrastada,
à lira Mbuti que m’encantava,
estava túrbida, diminuída,
pela visão da criatura alada.
Via asas longas brancas nos céus,
Era por sons astrais alucinada.
Seria Orfeu ou seria Zeus?  

VII
Atordoada naquela grandeza,
por corpos grandes e corpos pequenos,
obtive de súbito a certeza
por atrações, voos celestiais,
que nos aquéns mais simples e serenos
vibram as grandiosas harmonias
Dos aléns sublimes e siderais.

Maria Clara C’Ovo.






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